O Buggy Glaspac é muito mais do que um simples veículo; ele representa um capítulo importante da história automobilística do Brasil. Nascido de uma ideia inovadora e de uma paixão pela cultura praiana, o buggy se tornou um ícone, especialmente entre os jovens que buscavam aventura e liberdade nas praias do país. Neste artigo, você vai descobrir como amigos de infância, influenciados por um pequeno modelo, transformaram a indústria automotiva brasileira, criando uma verdadeira moda em torno dos bugues.
A Fundação da Glaspac
A história da Glaspac começou em 1962, quando Donald Pacey e Gerry Cunningham, amigos de infância e filhos de ingleses, fundaram a empresa no Brasil. Inicialmente, eles eram fornecedores de empresas automotivas e foram pioneiros no uso de plástico reforçado com fibra de vidro. Esse material inovador foi utilizado para fabricar diversos produtos, como guaritas, carrinhos de sorveteiro, pedalinhos e pranchas de surfe. O contato frequente com surfistas proporcionou aos fundadores uma visão única sobre o estilo de vida praiano que estava começando a ganhar força no Brasil.
Nos Estados Unidos, a cultura praiana dos anos 60 era fortemente ligada ao Meyers Manx, um buggy desenvolvido por Bruce Meyers sobre a mecânica Volkswagen. O Meyers Manx se destacou não apenas pelo design inovador, mas também por sua funcionalidade, se tornando rapidamente um símbolo de liberdade e aventura. Foi então que Pacey e Cunningham viram uma oportunidade brilhante: replicar o Manx no Brasil, onde havia uma grande quantidade de Fuscas e um vasto litoral repleto de praias.
O Primeiro Prototipo: Da Miniatura ao Buggy
Para dar início a essa empreitada, a dupla se baseou em um protótipo que veio de uma miniatura da Corgi Toys, na escala 1:43. Eles ampliaram essa miniatura utilizando compensado, poliuretano e massa plástica. A partir dela, desenvolveram o molde e os gabaritos necessários para encurtar o chassi do Volkswagen em 35 cm, criando assim a estrutura básica do buggy. Essa adaptação resultou em um veículo com um baixo centro de gravidade e pneus grandes, que conferiam uma estabilidade impressionante. Era comum que alguns motoristas não utilizassem a barra anti-capotamento que vinha com o kit, devido à segurança proporcionada pelo design.
Inovações e Desafios na Produção
O Glaspac se diferenciava do Manx em três detalhes principais: o formato do capô, a parte traseira da carroceria e os apliques laterais, que foram adicionados para melhorar o acabamento. No entanto, o início da produção não foi fácil. Apesar da resina de poliéster ser produzida localmente, a fibra de vidro ainda era importada da Inglaterra, o que representava um desafio logístico significativo.
Outro obstáculo foi o desenvolvimento de componentes. Na época, nenhum fornecedor estava disposto a se arriscar a fornecer peças para um automóvel que parecia ter vindo de outro planeta. Com um orçamento apertado, a equipe da Glaspac tomou a decisão de produzir as rodas de aço alargadas e a armação do para-brisa internamente. A sorte começou a sorrir para eles quando um executivo norte-americano da Goodyear, que desejava presentear seu filho com um buggy, decidiu fornecer os pneus.
Além disso, o volante do buggy era um modelo de Fórmula 1, fornecido pelo amigo pessoal da dupla, o famoso piloto Emerson Fittipaldi. Essa conexão trouxe não apenas um toque de exclusividade ao veículo, mas também uma boa dose de prestígio.
Desafios Regulatórios e O Primeiro Buggy
A homologação do Glaspac exigiu inúmeras viagens ao Rio de Janeiro, onde a burocracia e a regulamentação automotiva apresentavam desafios constantes. Até o emplacamento do veículo tornou-se um problema, uma vez que os vistoriadores frequentemente questionavam detalhes técnicos, desde o motor exposto até a largura dos para-choques.
O primeiro Buggy Glaspac foi montado em 1969, pintado de laranja vibrante. O segundo buggy foi feito na cor rosa e decorado com adesivos hippies do movimento flower power, refletindo o espírito da época. Para promover o novo veículo, os fundadores da Glaspac tiveram uma ideia audaciosa: viajar até o Rio de Janeiro e estacionar o buggy na famosa Praia do Arpoador. O resultado foi um verdadeiro alvoroço, com o público cercando o carro e interrompendo o trânsito até Copacabana. O buggy retornou a São Paulo como o novo objeto de desejo da juventude, recebendo convites para aparecer em novelas e reportagens. Tornou-se, rapidamente, o preferido de artistas e esportistas.
O Sucesso da Produção e as Dificuldades Financeiras
A produção do Glaspac atingiu um pico de 30 bugues por mês, totalizando mais de 1.000 carrocerias fabricadas. Contudo, mesmo com esse sucesso inicial, a empresa enfrentava dificuldades financeiras. A Volkswagen não fornecia chassi nem motores para os bugues, o que complicava a situação. “Chegamos a comprar Fuscas novos para desmontar e vendíamos as carrocerias para frotas de táxi, mas o Buggy zero-quilômetro era inviável financeiramente”, relembra Gerry.
Para contornar a situação, a Glaspac passou a vender apenas o kit com a carroceria, bancos, console, armação e vidro do para-brisa, barra anti-capotagem, faróis, para-choques e outros acessórios, incluindo o volante de Fittipaldi, capota (rígida ou de lona) e até kits para aumento de cilindrada (1,6 ou 2 litros).
A partir de 1972, os clientes podiam enviar à Glaspac um Fusca acidentado ou em mau estado. O corte do chassi e a montagem eram realizados pela Montauto, até meados dos anos 1970, quando a Glaspac deixou de produzir kits. Os moldes foram cedidos sem ônus à Montauto, dando origem ao buggy BRM. A Glaspac continuou no mercado de réplicas até o falecimento de Pacey, em 1984, e encerrou suas atividades na década de 1990.
O Legado do Buggy Glaspac
O Buggy Glaspac não foi apenas um veículo; ele simbolizou a liberdade e a descontração da juventude brasileira nos anos 60 e 70. A popularidade dos bugues foi crescente, refletindo a cultura de praia e a busca por novos estilos de vida. Através de sua inovação e estilo único, a Glaspac conseguiu criar um produto que se tornou um verdadeiro ícone no cenário automobilístico nacional.
O Renascimento dos Bugues
Nos dias de hoje, os bugues estão passando por um renascimento. A cultura praiana que inspirou Pacey e Cunningham continua viva e, com o aumento do turismo nas praias brasileiras, muitos jovens estão redescobrindo a emoção de dirigir um buggy. Além disso, novas empresas têm surgido, buscando replicar o sucesso da Glaspac, mas com tecnologias e designs atualizados.
A Cultura dos Bugues no Brasil
Os bugues, com seu design singular e suas raízes na liberdade e no surf, continuam a ser parte essencial da cultura automobilística do Brasil. Para muitos, são mais do que um meio de transporte; são uma forma de expressão e uma conexão com a natureza. As praias do Brasil ainda são o cenário ideal para esses veículos, proporcionando aventuras inesquecíveis para aqueles que têm a sorte de dirigir um.
Considerações Finais
A história do Buggy Glaspac é um lembrete do poder da inovação e da paixão. Através da determinação de dois amigos, o Brasil ganhou um novo tipo de veículo que não apenas atendeu à demanda de um estilo de vida específico, mas também criou um legado que perdura até hoje. Se você tiver a oportunidade de dirigir um desses clássicos, sinta a liberdade que ele proporciona e lembre-se da rica história por trás do Glaspac.