Porsche 597: O Jipe da Guerra Fria Renasce em Itu com Alma Brasileira

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Imagine-se caminhando pelas ruas de Itu, uma cidade pitoresca do interior de São Paulo. Em meio ao cenário típico da cidade, você se depara com um jipinho incomum, que parece saído de um museu militar. Curioso, você se aproxima, mas não consegue identificar o modelo. É um Gurgel? Um protótipo brasileiro raro? Para tirar a dúvida, você aponta o Google Lens para o veículo, e a resposta surge: Porsche 597 Jagdwagen. Mas o que faz um jipinho militar da Porsche em uma garagem de Itu? A história é mais complexa e fascinante do que você imagina.

O Surgimento do Porsche 597: Um Projeto da Guerra Fria

Para entender como esse jipe chegou até o interior do Brasil, precisamos voltar no tempo, para a Alemanha pós-Segunda Guerra Mundial. Após a derrota, o país foi desmilitarizado e, em 1949, dividido em Alemanha Ocidental e Oriental. Com o avanço da Guerra Fria, as tensões entre os blocos capitalista e comunista cresceram, e a Alemanha Ocidental viu a necessidade de formar uma força militar para se defender.

Foi em 1953 que o então chanceler Konrad Adenauer abriu uma licitação para o fornecimento de um veículo militar leve para a recém-formada Bundeswehr (forças armadas da Alemanha Ocidental). O novo veículo precisava substituir as motos com sidecar e os jipes Kübelwagen, utilizados durante a guerra. Entre os participantes da licitação estavam Auto Union, Borgward e, claro, Porsche.

O resultado dessa licitação trouxe ao mundo o Porsche 597, mais conhecido como Jagdwagen (ou “carro de caça”). Diferente dos veículos militares convencionais, o Porsche 597 tinha design e tecnologia avançados para a época, carregando o DNA Porsche em cada detalhe.

Características Técnicas do Porsche 597

O Porsche 597 Jagdwagen era movido por um motor traseiro boxer de quatro cilindros, refrigerado a ar, derivado do Porsche 356. Esse motor foi ajustado para fornecer mais torque em baixas rotações, essencial para o uso em terrenos difíceis. Os primeiros protótipos usavam motores de 1,5 litro, mas depois a capacidade foi ampliada para 1,6 litro com 50 cv, permitindo ao jipe alcançar uma velocidade máxima de 100 km/h.

Uma das grandes inovações do Porsche 597 era a tração 4×4, acionada por um cardã que transferia força para as rodas dianteiras, algo herdado do famoso Schwimmwagen da Segunda Guerra. O câmbio tinha quatro marchas sincronizadas, mais uma super-reduzida para terrenos extremos. Como todo bom Porsche, o 597 também tinha suspensão independente nas quatro rodas, garantida por barras de torção.

O design foi obra de Erwin Komenda, o mesmo engenheiro responsável pelo Fusca e pelo Porsche 356. Um dos diferenciais do 597 era a estrutura monobloco, que funcionava como uma “banheira” para possibilitar a flutuação em áreas alagadas. Os primeiros protótipos tinham até uma hélice para atravessar rios e lagos, mas esse recurso foi descartado nas versões subsequentes.

Porsche 597 e a Conexão com o Brasil

Em 1956, o recém-eleito presidente brasileiro Juscelino Kubitschek visitou a Europa com o objetivo de atrair fábricas para o Brasil. Em sua passagem pela Alemanha, JK teve a oportunidade de testar o Porsche 597 nas instalações da Mannesmann. Encantado com o jipinho robusto e avançado, JK viu ali uma possibilidade de trazer tecnologia e indústria militar ao Brasil.

Esse contato levou o diretor administrativo da Porsche, Albert Prinzing, a visitar o Rio de Janeiro pouco tempo depois, para discutir a viabilidade de fabricar o Porsche 597 no Brasil. A Porsche já tinha laços comerciais no país através da venda de tratores, populares entre agricultores brasileiros. No entanto, o projeto de produção do Porsche 597 no Brasil nunca foi concretizado, e a Porsche acabou desistindo da ideia devido aos altos custos de produção e à preferência da Bundeswehr pelo DKW Munga, que acabou vencendo a concorrência militar.

O Porsche 597 Renascido: A Incrível Restauração em Itu

Agora você deve estar se perguntando: como um jipe com uma história tão complexa e raro como o Porsche 597 foi parar em Itu? Essa parte da história é protagonizada por Alexandre Penatti, um apaixonado por carros que começou sua jornada fabricando kits para Baja Bugs e carrocerias de buggy.

Em 2008, Penatti viu fotos de um Kübelwagen e decidiu criar uma réplica desse jipe militar da Segunda Guerra. A partir daí, ele começou a construir réplicas de Kübelwagen para clientes interessados, aperfeiçoando cada vez mais o processo. Durante a pandemia, Penatti precisou reestruturar seu negócio, demitindo funcionários e se mudando para uma garagem menor, onde continuou a produção sozinho.

Foi nesse período que Penatti recebeu a proposta de um cliente: criar uma réplica do Porsche 597. Através de fotos e medidas obtidas na internet, ele começou a construir o jipe do zero. Tal como o modelo original, a réplica de Penatti possui estrutura monobloco, um entre-eixos curto e é movida pelo motor e câmbio de um Fusca 1500, mantendo a simplicidade e praticidade do projeto original.

Desafios e Detalhes da Réplica

A construção do Porsche 597 trouxe desafios únicos para Penatti. Cada painel de metal foi cuidadosamente moldado à mão para reproduzir a resistência estrutural do modelo original. A peça mais difícil foi o capô traseiro, que exige aberturas para refrigeração do motor. Após muito esforço, Penatti desenvolveu uma ferramenta exclusiva para fabricar essa peça.

Com a carroceria montada, ele instalou um tanque de combustível onde originalmente ficavam as caixas de ferramentas. O carro foi pintado em verde fosco, remetendo ao visual militar. Embora não tenha tração 4×4, o jipinho de Penatti é leve, fácil de guiar e comporta até quatro pessoas, com o assento traseiro instalado sobre a caixa de marchas.

Um Novo Capítulo para a Réplica do Porsche 597

A réplica do Porsche 597 criada por Alexandre Penatti é, de certa forma, a ressurreição de um clássico militar que nunca chegou a ser produzido em massa. Cada exemplar fabricado por ele custa cerca de R$ 85 mil. Em comparação, uma réplica de Kübelwagen custa R$ 80 mil e fica pronta em 5 a 6 meses.

Hoje, Penatti vê seu trabalho como uma homenagem ao passado. Ele quer expandir o acervo de réplicas e já pensa em criar uma cópia do VW Hormiga, um dos veículos mais raros da Volkswagen. Esse modelo, conhecido como EA489, foi um caminhão compacto produzido no México e equipado com motor a ar e tração dianteira.

A Importância de Preservar a História

O trabalho de Penatti vai além de criar réplicas; é uma maneira de manter viva uma parte esquecida da história automobilística e militar. O Porsche 597 Jagdwagen nunca recebeu o reconhecimento que merecia, mas graças a entusiastas como ele, o legado desse jipe raro continua a fascinar novas gerações. Cada réplica que sai da garagem de Penatti é mais que um carro; é um pedaço da história da Guerra Fria, do Brasil e da própria Porsche.

Agora, você sabe que, da próxima vez que estiver em Itu, um simples passeio pela cidade pode te levar a uma viagem no tempo, a um mundo onde Porsches militares percorriam trilhas e cruzavam rios, simbolizando a resistência e a inovação de uma era. O Porsche 597 pode não ter se popularizado, mas sua lenda continua viva, em uma pequena garagem de Itu.

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